A casa testemunhou importantes acontecimentos na história do Brasil, como a repressão da ditadura militar, e permanece como o espaço de clientes que valorizam a amizade

Se o Benfica fosse um país, a instituição bar teria feriado nacional. Na trajetória do bairro, inúmeros bares guardam o carinho de muitos cearenses. O clima bucólico, a presença efetiva de universidades nas redondezas, a efervescência intelectual e boêmia. Estes e outros fatores demarcam o caráter diverso deste lado singular de Fortaleza. 

Assim pensam os clientes de um tesouro que representa esta cultura do Benfica. Há 62 anos, de domingo a domingo, o Bar do Seu Nonato mantém portas abertas à amizade. Naquele balcão circula atmosfera única. A casa preserva as marcas do tempo, salvaguardando cada detalhe construído pelo proprietário.

O protagonista desta rica trajetória, Valmir Toca Raimundo Nonato de Oliveira, o Seu Nonato, anda mais caseiro nos últimos anos. Aos 88 anos, com o preocupante contexto pandêmico, o patriarca deixou o legado em mãos certas. Enéas (52) já trabalhava com o pai e hoje lidera a missão de preservar esta relíquia da cidade. 

"É uma forma de manter essa história de pé, às gerações que virão. E essa relação com o tempo é muito importante. Infelizmente, Fortaleza não tem memória. Você derruba um prédio na calada da noite. Fica por isso mesmo”, adverte o comerciante. 

SE ESSA RUA FALASSE 

A ventura dos irmãos remonta ao fim dos anos 1950, quando estes piauienses escolheram Fortaleza como casa. E quis o destino que essa jornada tenha sido escrita no coração do Benfica, ajudando a construir o imaginário afetivo e etílico em torno da região.   

TRADIÇÃO POLÍTICA 

A importância social do Bar do seu Nonato atravessa fatos determinantes no histórico do Brasil. Durante a ditadura militar (1964-1985), o comércio foi ponto de encontro de militantes políticos e toda uma geração de cearenses com esperança de dias melhores. Seu Nonato, conta Enéas, ajudou jovens militantes a escaparem da repressão.

“Aqui tinha uma porta, uma passagem para o terreno da UFC. Na maioria das casas sempre tinha uma passagem. E aqui, até os anos 1970 ainda existia. Então, rolavam os movimentos do movimento estudantil lá na Avenida da Universidade. O pessoal corria, entrava, passava por aqui e ia embora”, descreve o gestor acerca desse capítulo na vida do Benfica. 

REENCONTRO INUSITADO

“Sempre tivemos essa relação. Apesar de ser um bar de esquerda, tem o pessoal da direita que frequenta e o pessoal se respeita. É uma bandeira que o papai sempre levantou. E faço questão de manter isso. Uma das coisas que ele se orgulha é de vir a patroa e a empregada aqui e serem tratadas da mesma forma”, descreve Enéas.  E esse ambiente acolhedor, de respeito e cordialidade permitiu uma situação comovente.

Futebol, religiosidade, política e arte pulsam em cada detalhe. “Cada bar tem um perfil. Tem clientes que só são transeuntes e têm clientes que fazem parte da coisa, as quais são as famílias dos bares. E aqui é bar que tem família”, conta Enéas.

A tarde se vai poética no horizonte. O trânsito do Benfica acelera no fim de tarde. Os parceiros de longa data permanecem para um novo gole ou debate acalorado. O Bar do Seu Nonato segue fazendo história, escrevendo uma jornada com muita estrada ainda pela frente.


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Por Antonio Laudenir

Fonte: Portal | Diário do Nordeste

Foto: Reprodução/Fabiane de Paula