Sem estrutura nem materiais, Laianne estudava pelo celular e por meio de apostilas doadas

“Não acreditei que seria possível. Pensava ‘não dá, não vou passar’.” A fala de Laianne Plácido Lima, 25, pode parecer pessimista, mas é quase regra para quem cresce sob os efeitos da desigualdade que assola a periferia de Fortaleza. A aprovação em Medicina é para ela, então, um divisor de águas.

Nesta terça-feira (28), com a divulgação dos resultados do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) após “9 dias de ansiedade e de pânico”, Laianne se conectou à plataforma e leu: “Parabéns! Você foi selecionada na chamada regular”. 

Termina a série de tentativas de ser aprovada no curso dos sonhos, iniciada em 2015, quando fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pela primeira vez. E inicia a expectativa para entrar na sala de aula da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed/UFC).

Laianne é filha de Maria Célia, 56, zeladora de um dos campi da UFC em Fortaleza há 11 anos e maior apoiadora das metas e sonhos da jovem. Não concluiu os próprios estudos, como relata a filha, mas construiu para a menina um destino distinto.

“Pra me manter no cursinho, eu tinha ajuda dela somente. Muita gente desistiu porque não tinha apoio. Eu, sem o apoio dela, não passaria. Ela acreditou em mim”, emociona-se.

"Tô muito feliz, graças a Deus a minha filha ter alcançado esse objetivo. Porque é muito difícil um filho de um pobre alcançar o que ela alcançou. Foi muita luta. Ano passado, ela passou na Universidade da Bahia, mas como não tive condição de manter ela lá, ela ficou aqui, continuou a estudar", relata a mãe.

“EU NÃO TINHA SEQUER UM LIVRO”

Alcançar uma nota suficiente para estudar Medicina talvez nem tenha sido o maior desafio para a estudante – mas sim trilhar um caminho de “nãos”. Não tinha livros, apostilas, computador ou uma mesa para estudar. Não tinha tutor, professor, “alguém que dissesse que ia dar certo”. Não tinha referências. 

“Aqui onde eu vivo, quando você olha pro lado, dificilmente vê exemplos de pessoas que conseguiram entrar numa universidade e se formar. Era uma realidade distante da minha, porque eu não tinha exemplos concretos. As pessoas diziam que era improvável”, lembra.

“QUERO CRESCER MUITO”

No dia 13 de março, quando o semestre letivo da UFC inicia, Laianne sairá da casa que divide com outras 7 pessoas, no bairro Pirambu, rumo ao Campus do Porangabuçu, que sedia a Faculdade de Medicina. 

Se nas últimas semanas a ansiedade a torturou, agora estimula. “Nem acredito que as aulas já estão tão perto de começar”, se empolga Laianne, sem esquecer de citar um último agradecimento.

“Acredito que sem a Lei de Cotas eu não teria entrado de forma nenhuma. Foi a Lei de Cotas que me abriu a porta e a possibilidade de eu entrar na Faculdade de Medicina.”


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Por Theyse Viana

Fonte: Portal | Diário do Nordeste

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal