Operadoras de telefonia e a Anatel temem que o projeto cause o rompimento de cabos de fibra ótica que abastecem a internet no Brasil; empresa responsável pelo projeto nega o risco.

A licença de instalação para iniciar as obras da usina de dessalinização próximo a cabos de internet na Praia do Futuro, em Fortaleza, deve ser emitida até o mês de julho, conforme a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Somente após a emissão da licença é que começam as obras da usina.

A Semace afirmou que a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), responsável pelo projeto da usina, solicitou a licença de instalação no dia 25 de janeiro de 2024. Após isso, a solicitação foi encaminhada para o setor de análise técnica, que tem até 180 dias para emitir ou não a licença.

A construção da usina de dessalinização é defendida pelo Governo do Ceará como um dos mecanismos de combate à seca. Uma vez pronta, a usina iria converter a água salgada do mar em água potável, ajudando no abastecimento da população.

O projeto, porém, é polêmico. Empresas de telecomunicações se opõem à construção devido à proximidade das estruturas de captação de água da usina aos cabos submarinos que fornecem internet a todo o Brasil.

É que a Praia do Futuro, onde é planejado construir a usina, é um dos locais no Brasil mais próximos da Europa e por isso é o lugar que primeiro recebe cabos de fibra ótica do continente. A partir da Praia do Futuro, esses cabos vão para Rio de Janeiro, São Paulo e países da América Latina. Esses cabos são responsáveis por 99% do tráfego de dados do Brasil.

O risco, segundo a associação de operadoras TelComp, é que a estrutura da usina, que capta água no fundo do mar, possa romper os cabos submarinos. Se os cabos forem rompidos, o fornecimento de internet pode ser afetado em todo o continente, deixando usuários off-line ou com internet lenta.

A Cagece, empresa estatal do governo cearense responsável pela usina, diz que o projeto "não apresenta nenhum risco ao funcionamento dos cabos submarinos localizados na Praia do Futuro". A companhia também destaca que a Praia do Futuro tem uma das águas mais limpas do mar de Fortaleza, o que levou a região a ser escolhida como local de instalação da usina.

As obras da usina serão feitas por meio de parceria público-privada com o consórcio SPE - Águas de Fortaleza, que venceu edital com investimento previsto de R$ 3,2 bilhões. Inicialmente, a previsão da previsão é que as obras tivessem início em março de 2024, com prazo estimado de conclusão para o primeiro semestre de 2026.

No entanto, com a emissão da licença de instalação prevista para até 180 dias, ou seja, até julho, o cronograma de construção da usina deve atrasar mais uma vez.

Projeto em análise pela União

A usina de dessalinização foi anunciada em 2017 pelo Governo do Ceará. Em agosto daquele ano, a Cagece lançou um edital para estudar a viabilidade do projeto. A ordem de construção, porém, só foi assinada pelo governo estadual em julho de 2021.

Desde então, a Cagece tem tentado obter as aprovações de órgãos ambientais e de regulamentação para levar a usina adiante. Em 8 de novembro de 2022, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) aprovou a licença ambiental para construção da usina, que foi emitida no dia 28 do mesmo mês.

No dia 20 de dezembro de 2023, a empresa afirmou que a construção da usina em Fortaleza foi aprovada pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU-CE), que precisa aprovar obras na faixa de praia, uma vez que, no Brasil, a faixa de praia pertence à União. Na sequência, veio o pedido do licença de instalação, formalizado apenas no fim de janeiro de 2024.

Apesar destas aprovações recentes, o projeto tem sofrido oposição tanto das empresas de telecomunicações quanto da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A agência já emitiu uma recomendação contrária à instalação da usina na Praia do Futuro.


Segundo a Anatel, o projeto do consórcio SPE - Águas de Fortaleza, responsável pela construção da usina, não analisa riscos e providências com a infraestrutura terrestre e marítima associada aos cabos submarinos.

“No projeto da SPE são ignoradas as possibilidades de influência, dos dutos marítimos da Usina que despejam (supõe-se, com força e alta pressão) os dejetos em maior concentração de sal ao mar após o processo de dessalinização, no leito marinho", diz trecho de uma nota divulgada pela Anatel antes da aprovação pela SPU-CE.

A Cagece, por sua vez, afirma que já alterou o projeto original para afastar a estrutura de captação de água dos cabos, dando mais segurança às empresas de telefonia. Na primeira versão do projeto, o as tubulações estavam a cerca de 40 metros dos cabos de fibra ótica. A pedido da Anatel, a distância foi alterada para 567 metros.

A Anatel apontou que foi notificada dessa mudança apenas em agosto de 2023, e que essa alteração de distância cumpre apenas uma das 11 recomendações do Comitê Internacional de Proteção de Cabos (ICPC, na sigla em inglês).

Logo após a aprovação da obra pela SPU, a Anatel emitiu um posicionamento atualizado após reunião com diversos órgãos, afirmando que a Cagece se comprometeu a complementar o projeto com novos estudos, avaliações e planejamento mais detalhado e específico de gestão de riscos quanto à infraestrutura local, não só considerando a fase de construções, quanto de operação.

Somente após a apresentação dos novos dados, a Anatel irá reanalisar sua posição quanto à construção da usina.

Em dezembro, as empresas de telecomunicações, representadas pela TelComp, reafirmaram a oposição ao projeto no local onde está previsto, e chegaram a afirmar que, se o projeto da usina avançar, as empresas poderiam deixar o Ceará.


Pesquisa, Redação e Edição: Carlos Martins

Da Redação

Fonte: Portal | G1 Ceará

Foto: Reprodução/SPE Águas de Fortaleza e Cagece